Contexto histórico
Contra a civilização
Colaboração para Folha OnlineQuando ainda era um próspero negociante da Bolsa de Valores em Paris, Paul Gauguin adquiriu várias obras de pintores impressionistas, a exemplo de Manet, Monet e Renoir, artistas que ainda provocavam escândalo por causa da ousadia de suas telas em relação à pintura acadêmica e tradicional. Gauguin chegou a incluir alguns de seus próprios trabalhos nas últimas exposições impressionistas, embora nunca tenha se filiado oficialmente ao grupo.
Sua intenção era outra, buscava se distanciar da representação da realidade observada, percebida, ao invés de se colocar diante da natureza para executar suas pinturas, pintava de memória, atribuindo significados simbólicos aos elementos de sua pintura e a maneira como se utilizava das cores, abriu precedentes para estilos posteriores. Como ele mesmo escreveria, uma obra de arte deveria refletir "sentimentos intensos que se manifestam nas profundezas do ser e irrompem feito lavas de um vulcão". Daí seu nome ser situado, junto com os de Vincent van Gogh e Paul Cezánne, naquele período de transição que se convencionou chamar de pós-impressionismo - e que viria a antecipar alguns pressupostos do expressionismo, estilo marcado pela dramaticidade dos traços e das cores.
A vida agitada de Paul Gauguin, recheada de reviravoltas e de viagens a lugares distantes, é reflexo de sua busca pessoal por uma arte que não se conformasse com os cânones da tradicional estética européia. Assim como suas telas absorveram a influência dos muitos anos vividos nos mares do sul, ele também pesquisou com afinco as esculturas egípcia e cambojana, além das gravuras japonesas.
No instante em que a Europa passava pela Revolução Industrial, muitos artistas voltavam os olhos para outros mundos, ditos mais "primitivos", à procura de inspiração em lugares ainda não contaminados pela "civilização". Algo parecido já havia sido proposto pelos românticos, embora estes tenham disseminado uma visão idealizada dos povos dos trópicos, particularmente os indígenas do Novo Mundo.
Mas ninguém ousou, como Paul Gauguin, levar ao extremo a busca por uma suposta essência primeira da arte, que ele julgava perdida para sempre no mundo europeu. No "paraíso" tropical polinésio, constatou que boa parte do desenvolvimento econômico do chamado "mundo civilizado" era proveniente da exploração colonial. Denunciar essa situação de injustiça histórica seria a última missão de sua vida.